quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A vida como ela realmente é

Depoimento recebido em um comentário deste blog

"Senhor Egidio
A vida na rua não é fácil. A gente já nasce com o rótulo de bandido, mesmo não sendo. Eu perdi dois irmãos em uma chacina, destas que a polícia faz para tirar pessoas como nós das ruas. Às vezes, a gente dá sorte, às vezes De...us dá uma olhadinha para a gente que vive na rua e resolve dar uma oportunidade. Eu mesma acabei me casando com um homem simples que trabalha em uma casa de materiais de construção. Foi ele que me tirou da rua. Na época da chacina dos meus irmãos, que não eram bandidos mas conheciam bandidos, eu muito fiquei assustada, eu achei que ia morrer. Eu me lembrava daquilo que o povo dizia: diga com quem anda e direi quem você é. Acho que por isso a polícia matou meus irmãos, um deles dizia que ele tinha que ser amigo dos marginais para proteger a gente, ele morria de medo que eu fosse estuprada. Talvez seja porque nossa mãe era uma prostituta e fazia filho direto, acho que viemos ao mundo como um castigo pra ela, meus irmãos morreram pra que ela sofresse, mas acho que não adiantou, não sei por onde ela anda. Ela sumiu. Meu marido é um homem muito bom, ele me ajudou a tirar documentos, me levou pra escola de EJA e eu estou terminando de estudar. Minha professora que me ajuda a escrever bem porque eu ainda faço muitos erros. Sou grata a ela por isso. Nesse mês ela passou pra gente ler alguns livros e eu escolhi o Pinóquio do Asfalto. Fiquei emocionada, chorei muito com a história do pequeno Marcio. Era pra gente ler só um capítulo e mesmo com as minhas dificuldades eu quis ler o livro inteiro. Minha professora falou para nós escrevermos para os autores contando um pouco da nossa história e eu estou aqui fazendo isso, mesmo com muita vergonha porque eu sou pobre e não sei escrever direito. Seu livro está com um outro aluno agora, ele também viveu na rua quando foi abandonado. Espero que o livro ajude esse meu colega de classe também a ver como tem gente que tem bom coração. Eu acho que você é igual essas pessoas que só faz o bem, você tinha que ganhar um prêmio Nobel da paz.

Maria S. Silva



Um comentário:

  1. Prezado Egidio,
    Ganhei o livro Pinóquio do Asfalto, no sábado passado, como presente de Natal da minha madrinha, que teria de viajar. Fiquei tomado de uma emoção que nunca senti antes. Eu realmente via as crianças de rua como um problema social, algo que tínhamos que “se livrar” para que a sociedade fosse melhor. Mas eu me vi perguntado: melhor pra quem? Pensamos com egoísmo, no que é mais conveniente para a gente. Isso é horrível! Na véspera de Natal estava uma muvuca em São Paulo, tinha gente pra todo lado. Eu chamei meu namorado e fui com ele para o centro da cidade. Estava muito complicado, gente pra todos os lados e muitas crianças e adultos de mãos estendidas. Fui com o meu namorado até um mercadinho e compramos um monte de coisas, mesmo tendo pouco dinheiro, gastei mais de R$ 150,00 comprando comida para poder desejar um feliz natal, depois saímos distribuindo. Cada um que ganhava agradecia, vimos muitos olhos mostrarem gratidão. Eu e meu namorado sentimos uma satisfação tão grande por ter deixado algumas pessoas que na hora da ceia, nós falamos para a família sobre nossa ação e minha avó sugeriu que fizéssemos o mesmo com as sobras da ceia, almoço e jantar, pois todo ano acabávamos enjoados e jogávamos fora. Hoje repetimos nosso gesto, minha avó e dois dos meus primos também foram até centro e demos comida para as pessoas. Uma delas até falou: “Obrigado, hoje não passaremos fome”. Mas o mais emocionante foi o que uma criança falou: “Moça, esse moço é seu marido?” Eu disse que não e ela falou: “E os outros?” Eu respondi: “são algumas pessoas da minha família”. O menino mudou o tom da voz e disse: “Eu queria ter uma família, mas Deus não gosta de mim”. Aquilo cortou meu coração, estou pensando muito a respeito, infelizmente a minha família não tem condições de ter mais alguém e a adoção é muito difícil aqui no Brasil. Eu queria saber como podemos ajudar essas crianças. Vocês poderiam me ajudar a buscar uma solução?
    Adriana Moreira da Silva

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