O pensamento do dia de hoje parte de uma reflexão sobre este texto de minha autoria, intitulado: Aligátores Nonsenses
Há poucos anos um evento começou a intrigar aos moradores do entorno do Lago Griffin, na Flórida, EUA e à comunidade científica americana. Os aligátores, espécies de jacarés que habitam a região do lago citado, começaram a apresentar anomalias comportamentais e acabavam morrendo em decorrência desses problemas. Inicialmente os aligátores passaram a apresentar dificuldades de coordenação motora como espasmos, perda de equilíbrio e falta de controle na hora de nadar. Pouco tempo depois, desenvolviam descontroles motores que os faziam vagarem tais quais zumbis, a ponto de acabarem virando involuntariamente de barriga para cima, não conseguirem manter a cabeça fora da água e morrerem afogados por perda de habilidade natatória. Foram mais de cem aligátores em um único lago, em um curto espaço de tempo. Com isso, a decomposição dos animais infestou o ar e contaminou a própria água do lago.
Mas o que estava deixando os aligátores nonsenses, comportando-se tais quais zumbis de filmes de terror?
A primeira suspeita recaiu em uma possível doença desconhecida e os cientistas passaram a recolher os corpos dos aligátores mortos para realizarem autópsias, buscando entender o problema. Mas não foi encontrado nada! Nem um simples desequilíbrio comum em órgãos como o fígado, que normalmente tornam-se delatores de anomalias corporais. O próximo passo foi realizarem de exames clínicos em animais vivos, em especial o exame de sangue.
Foram efetuados vários exames, expondo o sangue dos aligátores a bactérias e vírus dos mais variados tipos; contudo, nada foi observado. A única coisa que se pode concluir foi que o sangue dos aligátores, em vez de se contaminar, agia como um excelente bactericida, capaz de destruir todos os contaminantes biológicos possíveis. Algo que não é de era surpresa, pois esses animais são dotados de um sistema imunológico dos mais resistentes. Portanto, a causa não era biológica.
Partiu-se, então, para as pesquisas relativas ao ambiente, pois uma coisa era evidente, parte da margem do lago foi tomada por pessoas de alto poder aquisitivo, construindo suntuosas casas com vastos gramados e até campos de golfe. Toda essa grama necessitava de cuidados como fertilizantes, pesticidas, adubos, que poderiam contaminar o solo.
Casarão à beira do Lago Griffin - Flórida - USA
Já em outros pontos da margem, havia atividades agrícolas, que também dependiam desses elementos para preservar as lavouras e as fazendas que se dedicavam à produção de húmus, o nutriente que garante o desenvolvimento vegetal. Tal atividade econômica era tão importante que essas fazendas acabaram recebendo o apelido de “fábricas de húmus”. O governo, preocupado com as grandes quantidades de defensivos agrícolas e fertilizantes que poderiam ser arrastados pelas chuvas para o lago, acabou proibindo o seu uso, mesmo antes dos problemas com os aligátores virem à tona. Por essa razão, a comunidade científica pensou na possibilidade do acúmulo residual dessas substâncias em longo prazo no fundo do lago, por anos seguidos, uma vez que a decomposição desses compostos não ocorria na velocidade desejada. Entretanto, o que se observou quanto aos índices desses produtos é que a variação observada não era significativa, logo, todo trabalho foi em vão.
A suspeita recaiu no húmus, afinal, nutrientes demais alimentam mais micro-organismos. Desta feita, a análise da água buscou a possibilidade do desequilíbrio no ecossistema do lago, que com o húmus carregado pelas chuvas e irrigação poderia ter desencadeado uma fartura de alimento para seres microscópios. Dito e feito! A população de algas azuis no lago estava muito acima da média e, quando isso acontece, elas podem dominar o ambiente.
Mas, como as algas azuis poderiam afetar os aligátores de tal modo que eles passassem a ter descontrole motor? Não tinha lógica! A ideia foi recorrer aos fatores neurológicos implícitos. Os cientistas voltaram aos cadáveres dos aligátores para fazerem um estudo com o cérebro desses animais.
aligátor zumbi
O cérebro de um aligátor não pesa mais do que 8 gramas e tem o tamanho de um olho humano. Após ser retirado do crânio duro, o cérebro foi laminado e colocado ao microscópio. Inicialmente, parecia não haver nada de extraordinário, mas os olhares treinados dos pesquisadores conseguiram identificar a presença de áreas esbranquiçadas no tecido do cérebro, que indicavam que certas regiões do cérebro estavam morrendo, justamente as regiões responsáveis pelos processos motores. Finalmente tinha-se algo mais concreto.
Durante um evento da comunidade científica para se debater o assunto, um pesquisador de Michigan apresentou estudos relativos a peixes como salmões e trutas das regiões dos grandes lagos, que há pouco tempo haviam demonstrado comportamentos similares ao dos aligátores do Lago Griffin, agindo tais quais zumbis. O pesquisador revelou que a solução para o problema havia sido obtida após um estudo na alimentação das trutas e salmões, quando observou que a ausência da vitamina B1, a tiamina, causava os transtornos motores presenciados. Foi a partir de então que ele iniciou uma bateria de testes com filhotes de salmões e trutas, até que ao colocar a tiamina na água na qual esses peixes já se encontravam moribundos, eles se recuperavam num estalar de dedos e retomavam às suas atividades normais, sem qualquer sequela aparente.
Os pesquisadores da Flórida redirecionaram suas pesquisas, partindo para o estudo da dieta dos aligátores do Lago Grifinn. Mas, para isso, era preciso coletar os alimentos frescos do estômago dos aligátores ainda vivos e, após capturarem alguns desses animais e realizarem uma arriscada espécie de lavagem estomacal, conseguiram apurar que a maior parte da alimentação dos aligátores daquela região, era baseada em um único peixe, o sável-de-papo (foto ao laodo, que possui em seu corpo uma enzima chamada Tiaminase, que destrói a tiamina, ou seja, deixa o animal desprovido da Vitamina B1, imprescindível para o tecido cerebral dos aligátores.
Ao refazerem a pesquisa sobre as populações no lago, constatou-se que o sável-de-papo se adaptou perfeitamente ao ambiente desenvolvido pelas algas azuis que tomou conta das águas do Griffin, o que gerou o declínio drástico da população de outros peixes que também serviam de alimento para os aligátores. A falta de diversidade no cardápio associada à ação da enzima tiaminase sobre a Vitamina B1 (figura ao lado), fez com que o diminuto cérebro desses animais começasse a morrer.
Para validar o experimento, alguns aligátores saudáveis foram colocados em um tanque e a eles foi dada uma dieta a base do sável-de-papo e, não demorou muito para os aligátores chegarem ao estágio letárgico dos zumbis. Bastou se adicionar a vitamina B1 ao meio, na água em que estavam, para que os aligátores se recuperassem e voltassem a agir como se nada tivesse acontecido. Finalmente a causa do surgimento dos aligátores zumbis já não era mais um mistério, o sável-de-papo era o responsável por todos os transtornos. Mas, afinal, o sável-de-papo era culpado ou inocente?
Foram seis anos de pesquisas até se pudesse chegar a um veredicto final. Agora era preciso agir! O governo da Flórida determinou que se reduzisse o número de sável-de-papo no Lago Griffin, que foram retirados por meio de redes e dados como alimentos em pequenas quantidades para outros animais cuja dieta era rica em vitamina B1, para não correrem nenhum risco. A população das algas azuis também foi reduzida e o lago recebeu novos indivíduos das espécies de peixes cujas populações estavam reduzidas, voltando a restabelecer o equilíbrio local.
O texto nos deixa uma importante lição: nós que no dia a dia nos deixamos levar pela publicidade, pelo modismo e nos entregamos aos fast-foods podemos entrar numa dramática ciranda como a descrita no caso dos aligátores nonsense. Nosso corpo dá sinais tal qual a obesidade e também os casos de irritações gástricas, denunciando que há algo errado em nossa alimentação.
Cada dia mais as crianças são vítimas desse mecanismo causador de doenças, trocam alimentos naturais por hambúrgueres, batatas fritas, refrigerantes, doces, e outros pouco recomendáveis para a nossa saúde. Colocando-os em uma condição de bomba-relógio, prontos para explodirem a qualquer minuto.
Essa preocupação tem levado muitas escolas a mudarem seus cardápios para os horários dos lanches; trocaram as frituras por alimentos mais saudáveis como frutas, iogurtes, saladas, sucos naturais, e com isso, começou-se a notar uma sensível queda no número de alunos obesos, tirando as escolas do papel de coadjuvantes da alimentação inadequada. Em alguns casos, a “descoberta” dos novos alimentos por parte das crianças afastou-as de doenças que antes eram muito comuns. Os casos de colesterol alto, triglicérides elevados e até do surgimento de diabéticos precoces, também se reduziram acentuadamente.
Não é de se estranhar que frequentemente eu tenha recebido depoimentos e comentários de alunos e professores que ao trabalharem com o meu livro, Alimento em Pratos Limpos, Atual Editora, tenham descoberto o mundo mágico e trágico por trás da nossa alimentação do dia a dia, provando, que o conhecimento leva ao entendimento. Contudo, a massacrante insistência da publicidade de produtos que nos prejudicam acabam vencendo no cansaço a consciência daqueles que resiste às suas armas da sedução.
Por essa razão a escola tem um papel fundamental no resgate da qualidade alimentar, assim como toda a família. É deste conceito que surge o meu pensamento do dia:
“Basta uma ervilha para se fazer um strike em garrafas cheias de refrigerante! Depende apenas da vontade do jogador!”