Novo depoimento, os nomes foram ocultados e o texto preservado:
Prezado senhor Egidio
Hoje eu criei coragem de falar e decidi escrever pra você. Durante doze anos eu morei na rua aqui em Porto Alegre e aqui ser negro é um problema, o povo é racista. Foi um gay que talvez pelo preconceito que ele também sofria que me ajudou, que superou a diferença da cor da nossa pele, em troca de sexo. O nome dele era M.S. ele era hermafrodita mulher sua parte de homem não tinha funcionamento. O problema dele é que tinha AIDS e morreu por causa disso. Eu também tenho essa maldita doença e peguei dele, tomo alguns remédio do governo, mas não vivo mais na rua, eu era burro e não sabia como tomar cuidado com a AIDS. Ele me deixou um apartamento pequeno pra mim, dois anos depois que ele morreu eu casei com uma mulher e eu trabalho vendendo peças de carro numa loja em Porto Alegre. Eu agradeço muito ele por ter me tirado da rua, com o tempo fomos felizes juntos, hoje vivo com a minha mulher, mas eu não posso ter filho com ela, eu amo ela e não quero que ela pega AIDS e tenho medo de adotar e eu morrer logo. O sobrinho do M.S. me deu um livro seu do Pinoquio do Asfalto, eu não sou muito de ler, leio mais jornal de esporte, sobre o Colorado, mas a história que você fez me lembrou minha infância e eu li o livro inteiro. Sabe, senhor Egidio, sua história conta uma verdade, a gente que mora na rua só chama a atenção de bandido, viviam querendo que eu vendesse droga, preferi vender meu corpo, acho que fiz menos mau doque vender a morte. Minha história não tem um final feliz, mais é menos infeliz do que ia ser.